Devido às suas condições naturais e ambientais, os países da América Latina têm um grande potencial para a produção de energia renovável. Contudo, as tecnologias necessárias para isso geralmente não estão disponíveis nesses países. Assim, a exploração do potencial existente exige a transferência das tecnologias relevantes. No entanto, o sucesso do processo de transferência de tecnologia depende, em grande parte, do contexto regulatório em nível nacional e regional, incluindo incentivos e regulamentações governamentais nas áreas de direito contratual, direito de propriedade intelectual e direito da concorrência.
Além dos desafios mencionados acima, há o risco de que os setores de energia renovável sigam o caminho já conhecido por outros setores da região. Os países latino-americanos podem continuar sendo meros fornecedores de geração de energia renovável, enquanto a inovação de valor agregado (por exemplo, para o uso de energia em diferentes produtos e setores do mercado) ocorre em outros países. Esse cenário pode prejudicar o desenvolvimento econômico sustentável na região. Portanto, as políticas para promover atividades de P&D nacionais e regionais na América Latina precisam ser aprimoradas para enfrentar diretamente os desafios das mudanças climáticas.
Sob o título "Transferência Regional de Tecnologia e Inovação - O Exemplo da Produção de Energia Renovável", a Conferência teve como objetivo identificar políticas regulatórias apropriadas para promover tanto a transferência de tecnologia para a produção de energia renovável quanto a inovação para a produção e uso de energia renovável na América Latina.
Moderado por Pedro Henrique D. Batista, pesquisador do Instituto Max Planck para Inovação e Concorrência e coordenador de pesquisa da Iniciativa SIPLA, o primeiro painel da Conferência apresentou uma visão geral do estado atual da transferência de tecnologia para a produção de energia renovável e da intensidade das atividades de P&D para a produção e o uso de energia renovável. Para isso, empresas inovadoras e especialistas em regulamentação de diferentes setores de energias renováveis foram convidados a compartilhar suas experiências. O painel contou com a participação da Dra. Michelle Hallack (Consultora Executiva, ex-BID), Dra. Rosana Santos (Diretora Executiva do Instituto E+ Transição Energética), Dra. Solange David (Santo Antônio Energia), Prof. Julio R. Meneghini (Faculdade Politécnica da Universidade de São Paulo), Dr. Paulo Sinoti (WEG S.A.) e Dr. Riomar Merino Jorge (Associação Brasileira de Energia Eólica).
Concentrando-se principalmente nas indústrias brasileiras, o painel mostrou que o país incorporou com sucesso as tecnologias mais avançadas para a produção de energia renovável, especialmente em áreas com tecnologias maduras, como a eólica e a solar. Nesses casos, uma alta porcentagem dos bens tecnológicos necessários para a produção de energia é fabricada em território nacional. Um dos principais motivos para esse sucesso na transferência de tecnologia é a intervenção do Estado por meio das condições estabelecidas nas licitações para concessão pública de instalações e capacidades de produção de energia, bem como nos programas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil.
No entanto, ainda há desafios regulatórios significativos, pois fatores como padrões de certificação estrangeiros, impostos nacionais e barreiras à logística eficiente dificultam a produção de energia renovável. Os direitos de propriedade intelectual existentes e a discriminação errônea de tecnologias pelo Estado também podem ameaçar a transferência de tecnologia e a inovação nos setores relevantes. Embora a independência na produção dessas energias não seja uma meta realista em todos os setores, os especialistas concordam que a ação regional coordenada dos países latino-americanos pode ser suficiente para reduzir a dependência de outros países.
Moderado por Juliana Krueger Pela (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Coordenadora do Observatório Brasileiro da SIPLA), o segundo painel da Conferência abordou a relação entre energias renováveis e PI e apresentou uma visão geral dos aspectos de direito contratual dos acordos de transferência de tecnologia.
Na primeira parte do Painel, a Dra. Ana Paula Gomes Pinto, Chefe de Gabinete do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI, fez uma apresentação sobre a interação entre mudança climática e PI, com foco nas estratégias de "patentes verdes" adotadas na Europa e no Brasil para enfrentar os desafios ambientais contemporâneos. Na segunda parte, a Professora Paula Andrea Forgioni (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Brasil), o Professor Manuel Guerrero Gaitán (Universidade Externado da Colômbia e coordenador do Observatório SIPLA da Colômbia) e o Professor Guillermo Cabanellas de las Cuevas (Universidade de San Andrés, Argentina), discutiram: (i) a necessidade de um direito contratual específico como instrumento para promover a transferência de tecnologia e a inovação nos países latino-americanos; (ii) o papel da Autoridade de Propriedade Intelectual em relação aos Acordos de Transferência de Tecnologia; (iii) os mecanismos disponíveis no direito contratual geral para preencher a lacuna deixada pela falta de uma regulamentação específica; e, (iv) outros possíveis instrumentos de direito comercial (como acordos de joint venture, acordos corporativos etc.) que podem ser usados para promover a transferência de tecnologia. Os membros do painel chegaram a um consenso sobre as dificuldades envolvidas nos acordos de transferência de tecnologia e reconheceram que a lei negligencia vários aspectos desses acordos. Apesar dessas dificuldades, foi dito que há espaço para impulsionar a inovação por meio da regulamentação dos contratos.
Moderado pelo Prof. Calixto Salomão Filho (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Brasil), o terceiro painel da conferência discutiu o possível papel do direito da concorrência na promoção da inovação para tecnologias sustentáveis na América Latina. O painel contou com a participação da Profa. Lucia Helena Salgado (Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), da Profa. Ginette Sofía Lozano Maturana (Universidade Externado da Colômbia), da Profa. Carolina Veas (Universidade Católica do Chile) e do Prof. Vinicius Marques Carvalho (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Ministro da Controladoria Geral da União - CGU).
As seguintes questões de direito da concorrência foram levantadas durante o painel: (i) análise dos acordos de transferência de tecnologia pelas autoridades de concorrência nos processos de fusão; (ii) análise das autoridades de concorrência sobre práticas ilegais adotadas pelas partes dos acordos de transferência de tecnologia; (iii) revisão dos critérios de eficiência econômica para incluir a sustentabilidade; e, (iv) política de concorrência destinada a proteger os novos participantes disruptivos contra barreiras à entrada em tais mercados.
Os membros do painel enfatizaram a complexidade e a interdisciplinaridade dos acordos de transferência de tecnologia, sua relação com a lei de patentes e a necessidade de acesso a bens protegidos. Eles também comentaram acerca da disparidade entre os objetivos e as expectativas históricas em relação ao direito da concorrência em geral e à transferência de tecnologia em particular, bem como as conquistas reais que ocorreram nesse campo durante a última década. O papel frequentemente desempenhado pelo investimento público em inovação na América Latina e a necessidade de equilibrar vários interesses do ponto de vista da lei de concorrência também foram tópicos de discussão. Por fim, foi argumentado que, no direito da concorrência, há espaço para que o licenciamento FRAND ofereça novas soluções para acordos de transferência de tecnologia.
Juliana Krueger Pela encerrou a Conferência destacando a contribuição do evento para mapear e aprofundar o entendimento das dificuldades e desafios para regular os contratos de transferência de tecnologia e promover a inovação na América Latina.
A Conferência teve grande participação e, devido ao rico intercâmbio entre acadêmicos, participantes do mercado e atores regulatórios, ofereceu perspectivas sólidas para o debate sobre estruturas regulatórias para promover a transferência de tecnologia e a inovação regional nos países da América Latina.
A 4ª Conferência Anual da SIPLA também marcou a inauguração do Observatório Brasileiro da Propriedade Intelectual, sediado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). A cerimônia de inauguração contou com a presença de diversas autoridades: Prof. Dr. Celso Campilongo, Reitor da Faculdade de Direito da USP; Prof. Dra. Ana Elisa Bechara, Vice-Reitora da Faculdade de Direito da USP; Prof. Dr. Paulo Nussenzveig, Pró-Reitor de Pesquisa e Inovação da USP; Prof. Marcelo Zuffo, Diretor do Centro de Inovação da USP – Inova; Prof. Dr. Reto Hilty, Diretor do Instituto Max Planck para Inovação e Concorrência; e, Prof. Dr. Calixto Salomão Filho, Chefe do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.